O parto do Pedro começou na gestação da Luisa.
Aliás, começou antes, começou desde a minha infância ao ouvir o relato do meu
próprio nascimento. Já relatei ambos uma vez, então não o farei de novo. Quem
quiser pode ler aqui.
Desde que a Luisa nasceu, num parto natural
hospitalar super rápido, eu fiquei me perguntando porque raios eu tinha saído
de casa e ido ao hospital só para pari-la! Ainda mais porque em minha casa se
encontrava uma parteira super experiente. Enfim, marinheira de primeira viagem,
falsas certezas e alguns receios me cercavam a época. Fato é que após o
nascimento dela eu conheci muita gente que pariu, muita gente que tentou parir
e muita gente que queria muito e muito mesmo parir de novo só pra fazer tudo
diferente.
Vivi o dilema de desejar mais a outro parto, (que
superasse o primeiro, mesmo não tendo sofrido violência obstétrica) do que outro
filho. E esse dilema é tão comum entre as mulheres! A vontade de viver toda a
experiência de novo, e de mudar alguma coisa, e de se reencontrar consigo
mesma, de curar feridas, etc.
Porém, eu, racional que sou, sabia que com o
novo parto viria um bebê e a responsabilidade de criá-lo, educá-lo e deixá-lo
pro mundo, que era o que mais me preocupava e apavorava.
Para mim, parir era a parte fácil e gostosa da
história. Depois vinha o difícil. Então, esse bebê foi sendo adiado, e
planejado, e adiado, até que ele se manifestou. Não lembro se ele já existia em
meu ventre quando o sonho aconteceu, mas eu descobri que estava, ou estaria
grávida em breve, por meio dele.
Foi um sonho lindo, reconfortante, gostoso de
sonhar. Eu estava em uma casa no campo, como eu sempre desejei ter, e aparecia
um garotinho lindo, pele branquinha, cabelos bem negros, e passeava pela casa
de mãos dadas comigo. No final do sonho ele me deu um quadro de presente, era
uma pintura de duas crianças de mãos dadas, ele e uma menina mais velha que
ele, muito parecida com a Luisa e comigo mesma quando criança. Então, depois de
me entregar o quadro ele se despedia de mim e dizia: “Estou voltando!”
Acordei emocionada e fiquei atenta, até que
notei a menstruação atrasada, enrolei, fiquei com medo e acabei cedendo e fiz
um teste de farmácia: positivo! Euforia e pânico tomaram conta de mim. Era o
pior momento de nossas vidas para termos um filho. Mudanças no orçamento doméstico,
uma provável mudança de casa, talvez de cidade a caminho. Muito medo se abateu
sobre mim. Medo de dar tudo errado, do parto que eu passei tanto tempo
desejando não acontecer, de só vir o filho, claro já muito amado. Mas o parto, ah
o parto era MUITO IMPORTANTE!
Eu tinha medo de ser agredida durante o nascimento
do meu filho, de ficar marcada pra vida por causa disso, de ter dificuldade de
criar vínculo com ele por causa disso. Com isso, a gravidez foi pesada
emocionalmente, triste, cansativa, arrebatadora.
Eu queria fugir de mim e do mundo, quis me
separar, quis fugir, quis ficar dormindo a gravidez inteira, mas eu tinha uma
filha para cuidar e foi por ela que eu não sofri ainda mais. Foi ela quem
iluminou essa gravidez, ela e ele.
Eu tinha um desejo de não saber o sexo do bebê
antes do parto, queria a surpresa, mas estava solitária nesse pensamento. Pai e
restante da família queriam saber o quanto antes, então eu quis saber também,
antes ser a primeira que a última, não é?
E então descobrimos que viria um menino. Na
verdade, confirmamos, afinal o instinto já dizia que era isso mesmo. E o nome
já estava escolhido: Pedro.
Eu sabia que uma gravidez saudável poderia
chegar a 42 semanas. Foi assim da primeira vez, então quando me perguntavam
para quando era o bebê eu dizia a proximidade da data de 42 semanas, a fim de
evitar pressões desnecessárias e cruéis no final da gestação.
Como queríamos um parto domiciliar, contatamos
uma parteira, a mesma que me acompanhou no parto da Luisa, e combinamos tudo
com ela. Quis o destino, contudo, que ela não pudesse nos acompanhar, devido a
dificuldades pessoais e profissionais dela, nada relacionadas a mim ou a
gravidez.
Ainda não sabíamos quem acompanharia o parto e
o primeiro susto grande aconteceu: uma cólica muito forte, uma contração
fortíssima do útero e um sangramento abundante. Não era nada demais, no fim,
mas o susto serviu pra deixar claro a mim mesma que: sim, eu desejava aquele
bebê, eu queria aquele filho, eu amava Pedro desde já.
A gravidez seguiu tranqüila, ao menos no
aspecto físico, encontramos nossa equipe para nos acompanhar no parto, uma
enfermeira, uma doula, uma obstetra e uma neonatologista. Todas mulheres
fortes, francas, de energia contagiante. A certeza de que Pedro chegaria ao
mundo da maneira mais tranqüila e segura nos preenchia a cada semana que
passava.
Até que chegou o dia 9 de abril, 40 semanas, e
eu acordei com muitas cólicas, razoavelmente fortes. Avisei as amigas, avisei a
equipe e aguardei. O dia foi passando e as novidades iam chegando: tampão
mucoso com rajadas de sangue, diminuição do intervalo das contrações, aumento
da intensidade.
E nesse meio tempo me lembrei da fotógrafa que
tinha combinado um ensaio de gestante comigo e ainda não tínhamos realizado.
Liguei pra ela e fizemos o ensaio, em pleno trabalho de parto latente.
Aproveitei o dia para limpar e arrumar a casa,
tentar deixar o que desse pronto para a chegada do Pedro e despedir da
gravidez, da Luisa como filha única, de mim como mãe só da Luisa. O dia foi
longo.
À noite, quando consegui dormir, acordei
sobressaltada com a ausência de contrações e pensei: alarme falso! Não era trabalho
de parto, eram pródromos. Mesmo já tendo passado por um TP, eu havia me
enganado. Fiquei ansiosa. Tentei descontrair e então notei que elas estavam lá,
ainda ritmadas, mas um tanto leves e quase indolores. O torpor do sono as
tornou imperceptíveis momentaneamente.
Luisa ainda não tinha dormido. Tratei de botá-la
a dormir, o que só aconteceu por volta de meia-noite. Deitei com ela em nossa
cama, ela adormeceu finalmente e eu senti a primeira contração verdadeiramente
dolorida da minha vida. Estava deitada de barriga pra cima e a dor me paralisou
momentaneamente. Imaginei as mulheres que são obrigadas a parir nessa posição e
lamentei por elas.
Levantei-me, fui ao outro quarto onde o
espetáculo ocorreria. Não tinha anda montado: banheira, forro plástico, câmara
fotográfica, nada!
Mas eu consegui apenas fazer download de um
contador de contrações, contar as contrações e tentar acordar o pai. Pensei na
doula, desejei que ela estivesse ali, mas não conseguia procurar o telefone e
ligar pra ela. Pensei na parteira, mas achei que fosse cedo pra chamá-la.
Sim,eu já tinha parido, mas tudo foi muito
diferente, e mesmo eu contraindo de 5 em 5 minutos, com contrações durando
cerca de 1 minuto, achei que ainda fosse levar mais tempo para tudo acontecer.
A Luisa nasceu 4 horas depois da primeira dor, Pedro eu esperava pelo menos
umas 3 horas de trabalho de parto.
Mas, foi tudo muito rápido. De 10 em 10
minutos, 7 em 7, 5 em 5. O pai não acordava, eu não conseguia chamar mais
ninguém. Muita dor, alucinante. E mesmo conseguindo manter um pouco de
pensamento racional, o instinto me dominou.
Quando o pai finalmente acordou, não dava mais
tempo de nada. Ele chamou equipe, ele tentou me massagear, e me deu apoio. Mas
foram 20 minutos que mais pareceram 20 segundos. Do sofá onde eu estava para o
vaso sanitário, do vaso ao chuveiro e do chuveiro a baqueta de parto.
Companheiro correndo de um lado pro outro,
telefona, abre porta, avisa porteiro, acode Lusa acordando, me aquece, me
conforta, acode Luisa de novo, ate que:
- Tudo bem?
- Tá nascendo!
Sim tinha me tocado e sentido a bolsa amniótica
saindo pelo canal. Aparei meu períneo. Foi instinto. Em pouco tempo a bolsa foi
se preenchendo com a cabeça de Pedro, e em duas contrações ele estava em nossos
braços, aparado pelos pais.
E foi assim, que sozinhos, Rafael e eu parimos
nosso filho. E esse momento durará para sempre em nossas lembranças. Momento de
emoção pura, e tranqüilidade surpreendente.
A parteira e a doula chegaram cerca de 5
minutos depois, atestaram a saúde e o bem-estar de todos.
Pedro já estava mamando. E pegou certo desde o
primeiro instante e mamou intensamente por longas horas.
A placenta demorou um pouquinho a sair, mas
estava íntegra, intacta e bela. Eu não quis guardar para nenhum ritual, porque
quem em conhece sabe que sou uma pessoa prática e nada ritualística. Mas era
uma bela duma placenta, e fiquei encantada por ela!
O parto do Pedro foi assim, intenso,
determinado, porque assim é Pedro. Sua personalidade impregnou todo o momento e
desde então temos tido o prazer e a alegria de conviver com tão generosa, carismática
e cativante criatura.